Queria uma poesia que fosse minha
Mas que, partindo de mim, fosse além
Uma poesia sem solenidades, nem bajuladores
Desfile de minhas dores
Que com as dores dos outros se encontram
Queria uma poesia crua
Alérgica a falsos rebeldes
A falsos profetas e estetas
Uma poesia sem projeto
Dejeto de um poeta sem jeito
Queria uma poesia que fosse livre
Sem compromissos e regras
Uma poesia que fale o que se sente
E não o que se mente
Companheira fiel de um poeta solitário
Queria uma poesia sem fachada
Com a liberdade de um beija-flor
Que não caiba no modernismo
Nem no parnasianismo
Mas que traga à ribalta
O sentimento que nela pulsa
Queria uma poesia que fosse a continuação torta da linha reta
Que conjugue os sofrimentos
Com as palavras
Que apesar de não trazer o pão
Monte o circo para quem precise rir
Queria a poesia que nascesse do riso de uma criança
Jorrando dos seus versos a bailarina
Que ignore as gaiolas e as celas
E que se veja em suas telas
A verdade do poeta
Queria uma poesia na qual houvesse vagas
Para a lágrima do pobre e do rico
Do feio e do bonito
Da virgem e da puta
Queria uma poesia
Sem bombas e guerras
Sem disputa de terras
Sem terrenos minados
Com versos cúmplices
Dos olhos de quem a lê
Queria uma poesia com chagas expostas
De onde latejam as respostas
Do que não havia perguntado
Nem percebido
Queria uma poesia raivosa e cínica
Com luvas de pelica
Uma poesia que fosse a encarnação moleque
(e sem derramar sangue)
Do dito de Theodore Roosevelt:
“Speak softly and carry a big stick”
Queria uma poesia que ignorasse o proibido
No poema
E que sem dilemas e problemas
Recorresse a toscas aliterações
Na jusante das emoções
Queria uma poesia onde o erro abundasse
Mas que, nelas, o erro também se jactasse
Da sua sincera vontade de acertar
Queria uma poesia que se sentasse
Nos saraus dos colégios
E conversasse com as poesias adolescentes
Sem saber
Qual era a melhor ou a mais bonita
Queria uma poesia que fosse
Exuberante na pobreza
Mas que, do seu texto,
Brotasse o contexto
Enraizado na alma
Queria uma poesia que fosse odiada e massacrada
Despida e humilhada
Apedrejada como se fosse Madalena
Tudo aceito, desde que ela, ao menos,
Se encontrasse com o sorriso
De um enfermo preso no hospital
Queria uma poesia que não apenas quisesse
Mas que tivesse e fosse
A expressão do que não sou