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domingo, 13 de novembro de 2011

Livro "A triste história do Ìndio Juca" - Autoria própria - Capítulo X - Completo

A vergonha dormia numa mansarda
Dormia mas respirava, só esperando
Tarda e tanto maior tanto era mais tarda
Com um crepúsculo em seu cio crepitando
Sucedeu-se enfim. Já não mais se aguarda
Aquém-mar, a preamar do ódio chegando
Num momento de crise, uma cria a criar-se
Concede à sede ensejo de saciar-se


Vive e vem à lembrança a antiga glória
Inda viva nas covas dos tombados
No passado que vinca da marmórea
Granja que há no lamento dos pejados
A verdade, sua história, o mito, a estória
Não mais são discerníveis. Mestiçados
Como grãos derrubados no terreno
A colheita que traz trigo e veneno


Ressoa seco o oco dessa época de ouro
Mundo frustro de todas lendas lindas
Todo fausto que lhes falta, o desdouro
O destino desviado na sua vinda
Uma guerra, a derrota, o duradouro
Fim sem fim. E a desonra que dura ainda
E o frescor da desonra só se amansa
Na vindoura ganância de matança

Na masmorra da noite, uma apoteose
Prepara-se para sair. Assobia o vento
O prelúdio da sorte sob as doze
Casas de astros que trazem luz ao repto
E constela-se a selva na psicose
Duma infinda e profunda raiva. Inquieto,
O silêncio surpreende a noite e o luar
Com sua viva vontade de matar


Toda a sombra é só ódio. Uma vaga
De guerreiros caminha em passos tensos
Como quem marcha para a grande saga
Tesas faces no escuro, olhos intensos
A vontade que afasta o medo, e afaga
O desejo espalhado em mil incensos
Um desígnio, um propósito inflamável
Finalmente inflamado, enfim findável


Diante da legião, rugas e mais raiva
O ódio na senectude destilado
Debilitado corpo que a ira aviva
O derrotado espírito alforriado
Feito líder da tensa comitiva
Suas mãos vibram na aura áurea do que é azado
Na sua boca, um discurso para a coorte
Ramos de rimas que clamavam morte


“Povo guerreiro, sede fortes, sede
A morte que levais hoje, em secreto
Na vingança essa sede tem sua sede
Vingareis vossos mortos, é o decreto
Só com sangue a vingança cessa, cede
O sangue trará a honra, vos prometo
O túmulo dos vossos avós mortos
Força vos deu e dará nos desconfortos”


A tensão cresce e clama por avanço
A emoção bruta luta, quer soltar-se
A aflição vem, reclama sem descanso
Floração de ódio, a chama quer jactar-se
Contenção astuta, o instante do antes, manso
A canção. Surge o ensejo para inflamar-se
A ocasião, o foco, a raiva, só vingança
Sensação, força, a cólera, eis a herança


Passos. Dança marcial. Solo rival
Tezes tensas. Torpezas medram. Medo.
Susto. Donde surgiram? De onde é o mal?
Sofrimento. Lamentos. Tino bêbedo.
Resistência. Não há. É desigual.
Sorri a morte. Portal. Hora do credo.
(Crer na crença nessa hora derradeira
O temor - ter errado a vida inteira)


Já tecido o fim, tece-se os detalhes
Para mostrar o completo esgotamento
Dessa aldeia, que derruiu tal qual Versalhes
Palmo a palmo expugnada no caimento
Dos seus últimos filhos. Os retalhes
De sua glória e da história, o passamento.
Mas o real está bem além da lavra
Das fronteiras da força da palavra

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